30 de ago. de 2009

Memorial de Aires



Machado de Assis adota a forma de um diário para seu romance. Este diário pertence a um diplomata aposentado que, através de suas anotações, procura compreender os atos e pensamentos das pessoas, fazendo uma profunda análise sobre o comportamento de seus conhecidos.
Em nove de janeiro de 1888, José da Costa Marcondes Aires completava um ano de regresso da Europa, e é a partir desta data que se inicia seu diário. Logo no início, o conselheiro demonstra uma notável apreciação pela viúva Fidélia, porém sua irmã, Rita, o adverte que Fidélia ainda está profundamente atada à memória do marido e não estaria disposta a amar homem algum. Neste contexto dá-se uma aposta entre Aires e sua irmã, na qual Aires garante que a viúva venha a casar-se novamente. Tal aposta é o carro-chefe no desenrolar da história.
Percebe-se que, pelo livro ser escrito pelo próprio conselheiro, é ele que detém o ritmo da história. Aires diminui a velocidade da narração, atentando-se aos pormenores e fazendo com que a espera pela consumação da aposta se oculte sob a aparente e sutil indiferença que caracteriza o conselheiro Aires. Sua aposentadoria lhe permite tempo suficiente para escrever em seu diário. Sendo assim, há o predomínio do tempo psicológico na narrativa, na qual Aires vai registrando suas impressões sem a menor pressa. O próprio Aires critica seu método narrativo.
Varias passagens do livro nos remetem a um verdadeiro documento histórico, pela visão de um homem que vivenciou fatos, como por exemplo, a abolição da escravatura, e como esses fatos repercutiam na sociedade da época. Percebe-se também que os temas centrais da narrativa estão relacionados à velhice que se aproxima a relação entre os vivos e os mortos e a curiosidade do conselheiro pela vida alheia.
Interessado especialmente pela vida de Fidélia, Aires vai às bodas de prata do casal Aguiar, que a considera como filha. E neste ambiente procura sabe mais sobre a vida da moça. Aires descobre que Fidélia casara-se com Noronha contra a vontade dos pais de ambos, inimigos políticos. Em uma viagem à Europa, Noronha morre. Quando Fidélia voltou, não foi recebida nem pelo pai, barão de Santa-Pia. Fidélia passa a morar com o, o desembargador Campos, amigo de longa data de Aires, e o casal Aguiar a recebem como filha que não puderam ter. O casal também devotavam seu amor ao afilhado Tristão, mas este viaja para a Europa por longos anos, deixando de comunicar-se com os padrinhos. Fato que os deixava muito tristes.
A morte pai de Fidélia, que começava a dar sinais de que perdoaria a filha, coincide com o retorno de Tristão ao Rio de Janeiro. Fidélia, filha única, vai visitar o pai doentee, após a sua morte, fica um tempo na fazenda Santa-Pia para cuidar dos negócios pendentes. O retorno de Tristão enche os padrinhos de alegria, que se enaltece ainda mais com a volta de Fidélia que, aos poucos, se apaixona por Tristão. Casam-se e ambos se mudam para Tristão Portugal, pois Tristão havia sido eleito deputado e visava uma carreira na política. Tal fato deixa o casal Aguiar extremamente frustrados, e voltam a sua velhice solitária e melancólica.
É notável o empenho do ex-diplomata em amainar a narração, minimizando a dramaticidade, sobriamente e de maneira elegante. Entretanto, o conselheiro percebe o tom dramático de alguns momentos da narrativa. O leitor também é constantemente lembrado de que se trata de um diário de diplomata, que sempre pesa, e muito, todas as suas ações; que sempre pensa muito antes de falar ou agir; que calcula todas as palavras e os gestos.
O romance acaba com Aires acompanhando discreta piedade a solidão do casal Aguiar e Carmo, no qual muito críticos viram as figuras de Machado e de sua esposa, Carolina. Muitos críticos vêem o casal Aguiar como a própria projeção de Machado de Asssis e sua esposa, Carolina, já falecida. A ironia e o sarcasmo dos livros anteriores são substituídos por um tom compassivo e melancólico, as personagens são simples e bondosas, muito distantes dos conturbados romances anteriores.